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Financiamento da política no Brasil: novas perspectivas?

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Por Daniel Falcão e Ana Cláudia Santano

Qualquer projeto de reforma política já lançado no Brasil tem duas bases principais: mudanças tanto no sistema eleitoral como nas regras do financiamento da política. Na atual discussão vigente na Câmara dos Deputados, houve várias propostas para a adoção de um novo sistema eleitoral, todas rejeitadas. Dessa forma, o sistema proporcional de lista aberta, vigente desde 1932, continuará a vigorar.

Não foi o que ocorreu com as regras sobre o financiamento da política, que sofreram uma importante alteração: a Câmara aprovou uma proposta de emenda constitucional (PEC) que autoriza o financiamento privado realizado por pessoas jurídicas exclusivamente aos partidos políticos.

O atual sistema, previsto em leis ordinárias, traz a possibilidade de os partidos políticos e as campanhas eleitorais arrecadarem recursos financeiros por duas formas: por financiamento público e por recursos privados, contemplando um sistema misto de financiamento, modelo mais comum nos países de democracia ocidental.

O financiamento público da política tem duas fontes: o Fundo Partidário, que consiste na reserva anual de parcela do orçamento da União que será destinada à manutenção da infraestrutura dos partidos e o acesso gratuito dos partidos e das candidaturas ao rádio e à televisão. Frise-se que esse acesso ao tempo de propaganda partidária/eleitoral é pago pelos cofres públicos pelo mecanismo de compensação tributária no Imposto de Renda das emissoras de rádio e de televisão. Já o financiamento privado advém de pessoas físicas e jurídicas, havendo limitações ao montante doado e vedações de doações de diversas fontes, conforme previsão na Lei das Eleições.

O sistema misto de financiamento da política brasileiro, no entanto, tem como principal característica a forte dependência dos recursos coletados junto às empresas privadas. A análise das prestações de contas de boa parte das candidaturas demonstra que a influência das doações advindas de pessoas físicas é irrisória, raramente ultrapassando 5% do total recebido. Ao mesmo tempo, os valores com origem no Fundo Partidário são majoritariamente dispendidos na manutenção da máquina partidária, e não nas campanhas eleitorais.

O panorama legal e constitucional do financiamento da política no Brasil, por fim, só pode ser esclarecido quando se reforça o fato de que há um julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode alterar completamente esse cenário. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade na qual pretende a declaração da inconstitucionalidade das regras que tratam do financiamento privado, em especial àquelas que regulamentam o financiamento privado de pessoas jurídicas. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, mas naquele momento já ocorrera a formação de maioria pela procedência da ação.

A discussão sobre um novo modelo de financiamento da política no Brasil passa por aspectos políticos, jurídicos e morais. A favor do financiamento público, argumenta-se que haveria a diminuição dos gastos eleitorais e o possível fim da influência de grandes empresas no mandato político. Recursos advindos somente do Poder Público também acarretariam no maior equilíbrio entre as candidaturas, atendendo-se assim ao ditame constitucional de afastar o abuso de poder econômico nas eleições brasileiras. Já os defensores do financiamento privado professam que o dinheiro público deveria atender a outras prioridades, além do fato de que não há qualquer garantia para a redução dos gastos nas campanhas, para a diminuição dos casos de corrupção, nem mesmo na maior igualdade entre os competidores eleitorais.

Diante dessa discussão, a Câmara aprovou a PEC que constitucionalizou o financiamento empresarial dos partidos políticos. Essa proposta tem alvo primordial e bastante claro: sua eventual promulgação ocasionará, provavelmente, na perda de objeto da ação ajuizada pelo CFOAB. Além disso, a Câmara dos Deputados impõe à sociedade a sobrevivência do atual sistema misto de financiamento da política. O sucesso da PEC implica no aprofundamento do debate, com questões importantes a serem tratadas pelo Congresso e pelo eleitorado brasileiro.

A primeira observação a ser feita diante do possível novo quadro constitucional diz respeito aos limites de doação. Hoje, a lei determina limites baseados em porcentagens do faturamento atingido no ano anterior à eleição pela pessoa jurídica, independentemente do tamanho da empresa. Dessa forma, facilita-se a influência dos grandes conglomerados nas eleições e se mantém o pragmatismo da “troca de favores”. A adoção de limites nominais ou uma combinação entre os dois tipos de balizas é medida salutar, evitando-se assim o abuso de poder econômico nas eleições. Cabe destacar que este ponto não será abordado na PEC, deixando vazia esta importante discussão.

A segunda ressalva diz respeito à transparência das doações e dos gastos políticos. No momento em que as pessoas físicas e jurídicas só poderão doar recursos aos partidos — e não mais diretamente às campanhas eleitorais, como hoje ainda é possível —, é necessário que o Congresso Nacional e/ou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de resoluções, evite a ocultação das doações, já que no sistema atual muitas empresas preferem doar aos partidos políticos para que fique mais difícil aos interessados saber o destino final dos valores doados. Novamente aqui se verifica que este tema não foi enfrentado nas discussões sobre a PEC.

O bom funcionamento do sistema de financiamento da política é fundamental para o desenvolvimento institucional e democrático do país. Deve-se encontrar um ponto de confluência entre a liberdade, a igualdade e a transparência, pois na democracia todos têm o direito de participar da forma como entendem melhor, estando esta participação pautada por critérios que não desequilibrem as condições dos candidatos – evitando-se, assim, a dominação do poder econômico no resultado das urnas – bem como possibilitando aos eleitores uma melhor decisão do voto, a partir de informações sobre quem está financiando uma dada força política. Somente assim poderemos avançar na direção de uma democracia mais robusta.

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Daniel Falcão é doutor, mestre e bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Ana Cláudia Santano é doutora e mestre pela Universidade de Salamanca (Espanha).

Publicado originalmente no Correio Braziliense, edição 6.7.2015.

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.


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